*Por Andrea Rios
Um assunto que tomou conta dos noticiários e do mundo dos negócios é a crise financeira das Lojas Americanas. A empresa está em recuperação judicial, com dívida superior a R$ 40 bilhões, pode levar à perda significativa de seu valor. De acordo com o ranking da Brand Finance, a marca tinha um valor de R$ 5,6 bilhões em 2022, ocupando a 16ª posição como a mais valiosa do país. Em meados de janeiro seu valor já havia caído para R$ 2,4 bilhões e segue em derrocada. Mas o que aconteceu? Quais foram os principais erros da companhia?
É preciso notar que a crise não é apenas de imagem, mas sim o resultado de um modelo de gestão fracassado, seguido por muitos gestores brasileiros ao longo dos anos. O foco é colocado no lucro, nos resultados e nos acionistas, deixando a qualidade dos serviços – e o cliente – em segundo plano. A busca pelo resultado a qualquer custo não é mais compatível com o capitalismo atual, em que as marcas estão cada vez mais focadas no cliente para gerar crescimento e lucratividade. É assim que a maioria das empresas bem-sucedidas vêm conseguindo resultados. O cliente não atende mais ao chamado de descontos por qualquer produto. Ele quer produtos e serviços de alta qualidade, um atendimento de excelência.
Na apresentação dos resultados trimestrais da empresa, uma questão chama a atenção: as Lojas Americanas colocam suas marcas como centro de sua estratégia, sem mencionar o cliente. A estratégia multicanal poderia e deveria ser mais forte, além de compor a base de sua estratégia de negócios. Com 53 milhões de clientes ativos, a empresa tentava usar suas mais de 3.500 lojas como um centro de relacionamento com o cliente e distribuição de produtos, mas a experiência ainda não estava totalmente integrada.
O cenário atual não é favorável. As Americanas enfrentam uma situação difícil após serem acusadas de fraude contábil que persistiu por mais de uma década, afetando empresas de todos os tamanhos, incluindo bancos, acionistas e fornecedores. A confiança e o relacionamento com os clientes podem ser prejudicados em casos como esse, independentemente da estratégia do negócio. No entanto, empresas que se concentram nos clientes têm mais chances de recuperar a confiança mais rapidamente, pois têm a oportunidade de lidar com a crise de forma mais eficaz. É um obstáculo que pode ser ultrapassado, dependendo da postura que a companhia adotar.
Mas conseguir estabelecer uma conexão entre crescimento, lucratividade e relacionamento com os clientes não é fácil. É um desafio para as empresas. Marcas líderes como Nike, Amazon, Starbucks e Magazine Luiza oferecem lições valiosas nesse sentido.
Vale observar que, ao contrário do que alguns pensam, a maior dificuldade é a execução, não a estratégia. A jornada omnichannel mudou o papel da loja física de ponto de venda para ponto de experiência. As novas formas de venda online, como compras ao vivo e aplicativos de comércio conversacional, representam um desafio para as empresas manterem sua identidade de marca e valores, enquanto integram todos os canais para oferecer uma experiência autêntica. Infelizmente, a experiência nos espaços físicos das Lojas Americanas deixava a desejar neste ponto. Lojas desorganizadas e pouco atraentes, além de funcionários mal preparados tornam a jornada de compra menos agradável.
A implementação de jornadas omnichannel pode exigir a colaboração e coordenação de muitos parceiros de canal e provedores de serviços, o que é um desafio em que muitos negócios se perdem. Como as empresas podem gerenciar uma rede complexa de relacionamentos e controlar as ações desses parceiros/provedores? O que acontece quando “o preço que as empresas devem pagar” para se tornarem omnichannel é entregar o controle a players mais poderosos (por exemplo, gestão por plataformas)?
Outro ponto a ser analisado é a estratégia das Lojas Americanas de diversificar seu portfólio e criar um ecossistema, incluindo serviços financeiros por meio da plataforma Ame Digital, que oferece uma carteira digital para pagamentos, além de compras e assinaturas. A tentativa de diferenciação sem dúvida é válida, sendo uma tendência seguida por multinacionais do mundo inteiro. Outras empresas como Via Varejo e Magazine Luiza têm estratégias semelhantes, mas a grande diferença é que elas posicionam o cliente como o centro de sua estratégia e execução, seja em momentos de lucro ou prejuízo. Isso é o que faltou no caso das Americanas.
É sabido que recessões, como a atual, são ruins para os negócios, mas isso não é necessariamente o destino de todas as companhias. O pior momento para a economia pode ser o melhor momento para uma empresa crescer. De acordo com um estudo divulgado pelo WSJ, as empresas atrasadas têm duas vezes mais chances de ultrapassar as líderes do setor durante uma recessão do que em períodos não recessivos. Outro estudo com quase 4.000 companhias globais mostrou que as 10 mais bem colocadas cresceram 17% ao ano em lucro durante a última grande recessão, enquanto as demais viram seus lucros estagnarem ou declinarem. Em média, a diferença entre os negócios dos dois grupos correspondeu a US$ 6 bilhões em valor empresarial.
A incerteza é o principal fator que diferencia as empresas que sobrevivem e as que fracassam durante as recessões. Algumas empresas se retraem, abandonam clientes atraentes e mercados promissores, vendem ativos valiosos em liquidações, reduzem preços e procuram novos parceiros para aumentar seu fluxo de caixa. Outras, por outro lado, aproveitam as oportunidades e melhoram suas situações financeiras. Para fazer isso, é preciso ter estratégia, resiliência e agilidade.
Falta de estratégia centrada no cliente pode fazer com que empresas, como a Americanas, não compreendam o novo capitalismo do século XXI. Transparência, sustentabilidade, colaboração e centro nas pessoas são valores e práticas consideradas básicas na nova economia.
Não é à toa que vimos a maior feira de tendências de varejo do mundo, a NRF Retail’s Big Show 2023, trazer cases de sucesso de empresas bem-sucedidas na estratégia omnichannel, apontando como principais tópicos: centro em pessoas, sustentabilidade, transformação singular, além de tecnologias de IA, e cybersecurity.
Em tempos de tremenda evolução tecnológica, com avanços em web 3, IOT, 5G e metaverso, vimos temas como pessoas e sustentabilidade “roubarem a cena” no evento. A exigência é que as marcas assumam um papel de maior responsabilidade com a sociedade, seja por meio de conexões autênticas, verdadeiras ou através de atitudes transformadoras para a construção de um planeta mais sustentável e longevo para as futuras gerações.
O caso envolvendo a empresa Americanas pode se tornar um marco na história do empreendedorismo no país, ao inspirar mudanças em práticas empresariais, modelos de governança e auditorias mais rigorosas. Estas medidas, se implementadas de forma efetiva, garantirão a competitividade dos negócios no mercado e a confiança dos consumidores. É hora de as empresas assegurarem a ética e transparência em seus processos, para o bem de todos.
*Andrea Rios é especialista em Omnichannel, fundadora da Orcas e professora no MBA Live da Fundação Getúlio Vargas. Com passagens por multinacionais como Unilever, Samsung e Motorola, criou o exclusivo Índice Omnichannel, para ajudar empresas dos mais variados tamanhos e segmentos a avaliar seu estágio na transição Omnichannel. Atualmente, oferece soluções para experiência do cliente que trazem crescimento e lucro para diferentes negócios. Entre elas estão marketing multifuncional, Omnichannel integrado com vendas, supply chain e tecnologia.
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