um empreendedorismo mais consciente
Eu sempre fui muito inquieta e enérgica, e na minha vida profissional não seria diferente. Meu objetivo profissional nos últimos anos tem sido fazer tudo ao meu alcance para provar que os negócios podem ser uma força para o bem e que são a melhor ferramenta para combater os desafios sociais e climáticos. De 2006 para cá, me envolvi em grandes projetos com bastante intensidade. Junto a isso, o nascimento das minhas filhas. Em 12 anos fui mãe de três crianças, da criação do Sistema B Brasil, de uma empresa de impacto social e de alguns negócios regenerativos. Até que, em 2018, a vida ficou tão turbulenta, que não sobrava tempo para fazer esporte, surfar, me conectar com a natureza e principalmente comigo. Estava com anemia, vitaminas baixas, exausta física e emocionalmente. Trabalhando com regeneração e me desintegrando, que incoerência. Foi aí que eu e minha família decidimos nos mudar de São Paulo para Garopaba, Santa Catarina.
Essa mudança me fez refletir sobre diversas coisas. Primeiro, sobre o que era importante para mim, na minha individualidade e na busca pela minha maior potência, mas também no meu papel na comunidade da qual faço parte. Também me fez rever princípios sobre os quais a minha vida prévia, baseada num sistema de valores prioritariamente patriarcais, estava fundamentada. Aprendi que, dentre os muitos movimentos que hoje atuam pela mudança das estruturas sociais, os movimentos feministas e os movimentos ecológicos são os que mais defendem profundas transformações de valores, e neles eu mergulhei.
Assim que nós chegamos a Garopaba, participei de duas experiências determinantes: uma Jornada do Sagrado Feminino, com a Morena Cardoso, da Danza Medicina e um curso de Agrofloresta com o Namastê. Essas experiências me abriram a porta para um recomeço. A valorização de características da essência feminina, como a intuição e os sentimentos; uma redefinição nas relações entre os sexos; uma noção de existência inserida nos processos cíclicos da natureza; e um profundo entendimento sobre as relações dos seres humanos com a natureza. Aos poucos, fui me reconectando com as minhas origens, com a minha essência e com o meu papel no mundo. Essa jornada transformou a minha vida pessoal, fortalecendo a ligação com as minhas filhas e com a minha origem, além de clarear a minha visão de empreendedora com propósito.
As mulheres da minha família são muito fortes, empresárias, líderes e sou grata pela jornada que elas construíram, mas a minha missão não é replicar o seu modelo, fundamentalmente baseado em valores antigos. Quero empreender com outro olhar. Com o da consciência de que todas as formas de vida são interligadas e de que a nossa existência depende dos processos cíclicos da natureza. Eu acredito nesse caminho e como sociedade precisamos de um novo arcabouço de valores que sustente essa visão. Somos parte de um sistema inteligente.
Eu tenho uma ligação muito forte com o esporte, treinei natação até os 18 anos, quando também aprendi a surfar. Entendi que preciso praticar exercícios diariamente, isso faz com que eu tenha mais disciplina e concentração, além de me conectar com a natureza e com a minha intuição para as tomadas de decisão. As caminhadas na praia no amanhecer de segunda-feira organizam a minha semana. O yoga me faz respirar. O surf me desafia. O funcional me dá estrutura. É no movimento que encontro a energia para seguir em frente.
Atualmente sou CEO e co-fundadora da Ateha, que foi concebida em 2021, com o objetivo de participar da construção do ecossistema de negócios de impacto climático no Brasil. Com educação e apoio a empreendedores queremos combater as mudanças climáticas. Parece que tudo o que fiz na minha carreira até hoje foi uma peça no quebra-cabeças para assumir o papel inspirador e desafiador de liderar a Ateha. É uma grande oportunidade, junto com os meus sócios, parceiros, colaboradores e muitas pessoas incríveis de seguir totalmente alinhada com o meu propósito pessoal e gerar impacto positivo na sociedade.
E, como líder, trabalho continuamente para fazer uma gestão assertiva, conectada a uma visão sistêmica e colaborativa. Sigo afinando meu olhar para a construção de mecanismos de descentralização de poder e das organizações em rede. Esse é o nosso desafio hoje na Ateha: criar uma rede de conhecimento distribuída e acessível sobre mudanças, soluções e impacto climático. Estou em busca de pessoas alinhadas com esse objetivo. O que não é fácil, pois exige rompermos com muitas estruturas do ego. Liderar uma equipe ou um projeto é desafiador para qualquer pessoa. De um lado você precisa ter a capacidade de transmitir onde você quer chegar. De outro, você precisa estar comprometida a desenvolver as capacidades de cada pessoa que se relaciona com você e com a empresa, focando no potencial de evolução individual e assim contribuir com o sistema do qual ela faz parte. Potencializar e desenvolver o potencial único de cada um. Para isso, precisamos ampliar uma concepção sistêmica da vida.
O empreender é muito solitário, e o exercício de tomada de decisões diárias é o maior desafio para quem está começando. Para o empreendedor de impacto essas decisões são ainda mais delicadas, pois pensar, mensurar e reportar impacto também demandam. É por isso que também atuamos com aceleração de negócios. Não numa lógica de grandes programas ou turmas de empreendedores, mas sim, acompanhando de perto alguns negócios nos seus dilemas diários. Acreditamos que assim podemos potencializar mutuamente a capacidade de evoluir como negócios e como pessoas.
Acredito que a ascensão da consciência e das lideranças femininas, com um olhar e uma escuta mais ampla e disponível, a valorização da intuição e a prática do diálogo, associada a uma visão regenerativa, já estão provocando uma profunda mudança nos pensamentos e nos valores – de sistemas de acumulação e degradação para cadeias circulares de matéria e energia; do foco em objetos e exploração de recursos naturais para o foco em serviços e valorização dos recursos humanos; da busca da felicidade nos bens materiais para o encontro da mesma felicidade nas relações com a família, amigos e comunidade. A felicidade em trilhar um caminho íntegro e coerente. São essas as maiores fontes de alegria! E é nesse fluxo potente que quero seguir, com transformação de pessoas, empresas e capital, refinando o olhar para uma economia regenerativa.
Quero mostrar que é possível sim ganhar dinheiro com o empreendedorismo de impacto, empreender para a sociedade e para o meio ambiente, gerando resultados positivos para todos. Para isso precisamos construir essa rede de conhecimento e educar as pessoas para que possam desenvolver ações de impacto e soluções para as questões climáticas. Uma comunidade onde possam estar conectadas e colaborar para favorecer a nossa e as próximas gerações, todos os dias.
Julia Maggion é empreendedora, CEO e cofundadora da Ateha, criada para apoiar empreendedores com ideias de impacto para as soluções climáticas, traçou uma jornada profissional marcada pelo propósito pessoal e pela busca de geração de impacto positivo. Formada em Administração de Empresas da FEA – USP e atuou no Citibank, na Unilever e na Alpargatas como estagiária e trainee, antes de decidir empreender.
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