Nos últimos anos, um “tsunami” ESG inundou o mundo capitalista, pregando o conceito de que a função da empresa é “gerar valor a todos os stakeholders”, “gerar valor compartilhado e sustentável” e até “prover soluções lucrativas para problemas das pessoas e do planeta”.
Os principais vocalizadores dessa mensagem têm sido grandes investidores institucionais preocupados com retornos estáveis e de longo prazo de seu portfólio de empresas investidas e, portanto, mais atentos aos riscos sociais e ambientais sistêmicos que o mundo atual tem evidenciado.
Como o movimento é capitaneado pelos grandes agentes do capitalismo, prevalece uma percepção de que resolver problemas sociais e ambientais, ao mesmo tempo em que se organiza a governança corporativa, é uma empreitada complexa e custosa, ao alcance apenas das grandes corporações e investidores.
Daí as perguntas recorrentes sobre a aplicabilidade e a viabilidade da agenda ESG no universo das PMEs. Empresas menores devem se preocupar com esse movimento? Elas têm capacidade para adotar medidas ESG? A resposta a essas perguntas é um ressonante “sim”. Não apenas a agenda ESG se aplica a PMEs, como o movimento seria extremamente limitado se não incluísse as empresas de menor porte, que correspondem a mais de 90% da economia no Brasil.
Se entendermos ESG como o conjunto de mecanismos adotados por uma organização visando a assegurar a longevidade do negócio, otimizar o retorno econômico para os sócios e promover a geração de valor para a sociedade em geral, incluindo clientes, empregados e as comunidades onde atua (“stakeholders”) e buscando a preservação do meio ambiente, fica fácil concluir que o conceito é válido para qualquer empresa, independentemente de dimensão, natureza da atividade econômica, estrutura de capital ou outros fatores.
No caso específico da PME, endereçar questões básicas de governança pode fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso de um empreendimento. Uma delas é a possibilidade de relacionar-se com grandes companhias, seja como fornecedor ou distribuidor de seus produtos, por exemplo. Grandes organizações vêm ampliando o rigor nas exigências de Compliance e sustentabilidade socioambiental de seus parceiros comerciais. Questionários, pesquisas de antecedentes e reputação e due diligence ESG tornam-se cada vez mais comuns e resultam em expressiva vantagem competitiva para empresas menores que estejam mais avançadas nesses quesitos.
Da mesma forma, instituições financeiras vêm gradativamente adotando padrões mais rigorosos para concessão de financiamento e/ou oferecendo condições mais vantajosas a pequenas empresas que demonstrem boas práticas ESG.
É preciso desmistificar a noção de que ESG é um movimento complexo que envolve altos custos e, portanto, inacessível a empresas menores. Apesar de não ser viável investir em um diagnóstico aprofundado e em revisão de estruturas e processos, isso não significa que essas empresas não possam dar os primeiros passos em sua “jornada ESG”. A diferença é que esses passos tendem a ser muito mais simples e mais voltados à conscientização de sócios e líderes e a adaptações graduais.
Em primeiro lugar, as PMEs tendem a estar mais próximas de seus clientes, o que permite entender suas expectativas, demandas e sugestões, seja no atendimento de consumidores, seja no impacto mais amplo que a empresa gera para a comunidade do entorno. Em segundo lugar, o número menor de colaboradores facilita a interação entre esses e a liderança, o desenvolvimento de uma cultura ética, de transparência, respeito, abertura ao diálogo, diversidade e inclusão, fomentando o surgimento de ideias inovadoras, inclusive na área socioambiental. Se a liderança é consciente e responsável, é mais fácil disseminar esses valores em uma organização de menor porte.
Por último, é geralmente mais fácil implementar mudanças em produtos, processos produtivos e práticas de gestão em empresas menores. Por exemplo, é mais fácil para uma rede de três restaurantes substituir seu fornecedor de tomates por um produtor orgânico do que uma grande fabricante de molhos de tomate substituir os inúmeros fornecedores do insumo que abastecem suas várias plantas industriais.
Pensar em questões básicas de governança em empresas menores pode fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso de um empreendimento. Há temas básicos de governança que jamais deveriam ser negligenciados.
Em primeiro lugar, o propósito e os valores da empresa. Para além da atividade econômica geradora de receita (que responde à pergunta “o que fazemos?”), o empreendedor deve refletir e criar um alinhamento em torno de valores éticos (que respondem à pergunta “como fazemos?”) e, principalmente, do propósito, causa ou missão da organização (que responde à pergunta “por que fazemos?”). O propósito da organização serve de direção, engajamento e motivação, além de aumentar a resiliência em tempos de crise. O propósito é o ponto de partida e a ambição social de uma organização. Ele é mais amplo e mais perene do que o negócio, que pode – e provavelmente terá que – se adaptar e se reinventar.
Com a “casa arrumada”, ou seja, clareza em torno do propósito e dos valores e uma governança minimamente organizada, fica mais fácil ouvir e compreender a perspectiva dos diferentes stakeholders – suas queixas, preferências, sugestões, assim como o impacto da empresa sobre o meio ambiente.
No caso das PMEs, esse exercício pode ser muito mais simples. Uma reflexão estruturada sobre algumas questões: Quem são os públicos afetados por nossas atividades? Como queremos ser percebidos por esses públicos? Quais são as nossas principais externalidades negativas? Há alguma forma de mitigá-las? Considerando a natureza de nosso negócio e atividades, onde podemos ampliar o impacto positivo para nossos empregados, clientes ou para a comunidade?
Para apoiá-las nessa reflexão, empresas menores podem lançar mão de alguma das diversas referências existentes. As duas mais reconhecidas são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, que hoje contam com uma ferramenta online gratuita para auxiliar as empresas na implementação, e a avaliação de impacto do Sistema B – uma organização sem fins lucrativos que confere um selo a empresas que equilibram adequadamente lucro e desempenho ESG.
A pauta ESG é tão importante quanto viável para as PMEs. Mas é fundamental ter em mente que, para que atinjam seus objetivos, as medidas de governança e sustentabilidade socioambiental não devem ser implementadas apenas “para inglês ver”. Precisam ser refletidas, discutidas, amadurecidas e implementadas de forma a serem efetivas e aperfeiçoadas constantemente, de acordo com as lições aprendidas com a experiência. Em ESG, mais importante do que fazer muito é fazer certo, gerando impacto positivo real e duradouro para o negócio, seus stakeholders e o meio ambiente.
*Claudia Pitta é consultora e professora de Ética Organizacional e ESG, fundadora da Evolure Consultoria, mentora e sócia da plataforma digital CompliancePME, diretora do IBRADEMP e coordenadora de sua Comissão ESG e membro da Comissão de Ética do IBGC.
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