*Por Cris Moraes e Claudia Pitta
Vivemos em uma época de proliferação de fake news e desinformação. Se anteriormente os jornalistas eram os grandes protagonistas da transmissão de notícias, esse cenário mudou radicalmente com o advento das redes sociais e aplicativos de comunicação. Essas plataformas deram voz a indivíduos, empresas, organizações e grupos sociais de diferentes matizes. Agora, com o aprimoramento da Inteligência Artificial, novas fontes de informação passarão a produzir notícias e outros conteúdos. Vale citar, por exemplo, o lançamento da ferramenta de IA “Genesis” pelo Google, que deve funcionar para a criação de pequenas notícias para veículos de imprensa. Se o jornalista já vinha dividindo a prerrogativa da divulgação da palavra falada e escrita com os usuários das plataformas digitais, agora passa a compartilhá-la também com as máquinas.
Essa realidade impõe uma série de questionamentos. Como assegurar a ética e a qualidade da comunicação em um cenário tão complexo? Qual o papel dos indivíduos, da sociedade e das organizações no combate às informações falsas? E os jornalistas, qual seu papel e responsabilidade nesse novo contexto?
Entendemos que os deveres éticos do jornalista e do comunicador permanecem válidos: trazer fatos, notícias e questionamentos para as pessoas comuns, os cidadãos. Informar com responsabilidade, não se submetendo a interesses, vieses, partidos, pressões correntes e movimentos, como estabelece o artigo 1º do Código de Ética do Jornalismo. O jornalista recebe formação – inclusive ética – e treinamento para fazer as perguntas certas, investigar os fatos, ouvir diferentes perspectivas e buscar transmitir as informações com precisão e isenção.
Sendo assim, o jornalista profissional se torna ainda mais importante nesse novo contexto. A melhor forma de combater desinformação e fake news é com informação confiável, produzida e divulgada com responsabilidade e integridade.
Os jornalistas são parte da solução e não do problema. E, para isso, a busca imparcial e diligente da verdade se torna mais importante do que nunca. O jornalista, assim como o Juiz, deve ser capaz de colocar sua responsabilidade profissional acima de suas preferências, crenças e inclinações pessoais. Se é criticável a atitude de uma pessoa comum que distribui notícias sem checar sua veracidade ou se a fonte é minimamente confiável, essa mesma atitude é inadmissível para o comunicador profissional. Se todos os indivíduos têm responsabilidade moral pelo combate à desinformação, a do jornalista é potencializada pela responsabilidade decorrente de sua posição e formação.
Importante enfatizar que a opinião é livre para todos – cidadãos, empresas, jornalistas, políticos, líderes religiosos etc. Mas, cada vez mais, é preciso traçar uma linha divisória entre opinião e informação. É possível, inclusive, existir perspectivas distintas sobre os mesmos fatos, sendo todas legítimas. A realidade é complexa. Um mesmo fato pode ser considerado como “atentado à democracia” para um grupo e “medida necessária de exceção” para outros. Mas esse não é o fato, certo? São qualificações do fato.
Essas distinções não são simples. Nossa interpretação do mundo é – sempre e necessariamente – influenciada por nossos vieses. Eliminá-los por completo talvez seja uma utopia para os seres humanos. Mas a sociedade reconhece o esforço nessa direção.
Uma das melhores formas de identificar e lidar com nossos vieses é ampliar repertório: de fontes, de vivências, de relacionamentos, de trocas. É na diversidade e na complementação de perspectivas que atingimos nosso potencial ético como sociedade. É isso que nos enriquece enquanto seres pensantes e nos coloca em vantagem em relação aos algoritmos, ao menos por enquanto.
Esse caminho de evolução exige que coloquemos a ética em pauta: no jornal, na revista, na rede social. Precisamos deixar de encarar a ética como um dogma, algo que se aprende em casa e que nunca mais será esquecido. As ciências comportamentais já provaram que ética se desaprende, se não for exercitada e discutida sempre.
Aqui também está uma grande oportunidade para os jornalistas: a pauta da ética. Não a ética filosófica, abstrata. Mas a ética comportamental. Mais importante do que entender como os seres humanos deveriam se comportar é entender como efetivamente se comportam. E, a partir daí, debater quais mecanismos, práticas, ferramentas podem nos ajudar a superar nossas limitações éticas.
O debate é intenso, mas sem dúvida aponta para o papel das pessoas na criação de consciência e no aprendizado ético em relação ao que compartilham. Com as novas tecnologias, somos todos disseminadores de informações. Somos todos comunicadores. Como implementar o debate ético em nosso dia a dia? Qual o nosso papel enquanto cidadãos no compartilhamento de informação? A discussão está longe de acabar.
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