Quando comecei a pensar sobre o amor foi para tentar dar contorno, segurança e completude ao que eu sentia. Quando cresci e me tornei uma profissional da área da saúde mental continuei tentando compreender esse laço que unia tão profundamente duas pessoas, mas que não raramente, ruía com uma intensidade ainda maior, laço esse que chamamos de amor. Ouvi inúmeras histórias de ódio que começaram com um “te amo” e nunca aceitei sem relutar essa ambivalência. E, depois de muito percurso teórico-prático ouvi uma música que retratou muito claramente aquilo que eu pensava: “é sempre amor mesmo acabe…é sempre amor mesmo que mude…é sempre amor mesmo que alguém esqueça o que passou”… e é partindo dessa ancoragem que faço essa reflexão sobre o relacionamento amoroso entre duas pessoas.
Não vou fazer distinções acadêmicas sobre amor, paixão, narcisismo primário ou secundário, ainda que seja sedutor entrar nesse campo, meu propósito aqui é escrever sobre uma das mais profundas subjetividades do ser humano: “se fazer ser, para um outro”. Desde nosso nascimento precisamos do olhar e de um investimento amoroso para que possamos nos tornar sujeitos, quer dizer, alguém tem que nos fazer e nos querer bem. Platão já nos dizia que “o amor é o desejo da perpétua posse do bem”. Após esse repasse de amor que recebemos, registramos em nosso psiquismo uma pulsão de vida que acabamos compartilhando, mais generosa ou economicamente, em nossos encontros amorosos.
Mas, se temos uma dose suficiente de amor para sobreviver, crescer e conseguir amar, por que os relacionamentos são tão complicados? Por que após anos de convivência, o ódio parece imperar? Por que após uma noite maravilhosa, nenhum telefonema no dia seguinte?
Acredito que o amor se instaura por minutos ou por décadas, a diferença não está no amor, mas na decisão de amar, na química, nos valores comuns, nas vicissitudes da vida e na força da cultura. Qual é nossa mentalidade de época? Recorro a Zygmunt Bauman e ao conceito de modernidade líquida. Vivemos sob a égide da satisfação perpétua, imediata e ininterrupta. Acreditamos que felicidade é prazer, que prazer deve ser satisfeito a qualquer custo, que a diversão não tem fronteiras é assim nasce o “amor líquido”, fluído, que escorre entre nossos dedos. Muitas vezes não conseguimos “pegar, segurar ou mesmo sentir amor”. Esses são efeitos colaterais da cultura do excesso e da ausência da moderação na era do vazio concordando com Gilles Lipovetsky.
Resumindo, temos medo de nos vincular e de perder a liberdade, mas, mesmo assim, ainda queremos amar e ser amados. De jovens a idosos, a maioria ainda busca ter alguém em quem possa confiar e compartilhar sentimentos, mas como fazer isso em tempos de pandemia, de distanciamento social e de tanta “liquidez”? Antes de tudo, decidindo amar, seja por alguns minutos ou por décadas. Recentemente li uma pesquisa elaborada pelo aplicativo Inner Circle mostrando que 58,5% do público que busca encontrar alguém através de um aplicativo, quer um relacionamento sério e duradouro. Então, mais fácil seria assumirmos que, mesmo quando relacionamentos acabam, ali houve uma boa dose de amor e que: é sempre amor mesmo que mude…é sempre amor mesmo que alguém esqueça o que passou…
Márcia Tolotti, @educacaopsicofinanceira é psicóloga e psicanalista, consultora de educação financeira e autora de 9 livros, entre eles, “O Desafio da Independência – Financeira e Afetiva”, “As Armadilhas do Consumo” e “Linha de Chegada”. A palestrante ajuda as pessoas a superarem dificuldades emocionais e financeira e recentemente fez um TEDx sobre relacionamentos com o tema “Você permite ou sabota a paixão”.
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